terça-feira, 27 de abril de 2010

do outro lado do espelho


Dizem que aprendemos muito com contos infantis. Não sei se isso é uma metáfora de aprisionamento do espírito jovem, onde concebe a imortalidade dos pensamentos.
Na prática, a realidade nos regurgita o tempo todo para admirar sua bela expressão no espelho, centrado em nós mesmos.
Viver na pele de qualquer personagem desses, seria uma heresia ou mesmo uma loucura temporária diagnosticada como eterna.
Parece fácil viver, não? Acreditei nisso minha vida toda.
Logo fui desmotivado pelos entraves e burocracias cotidianas, perdendo o interesse em progredir nos benditos degraus da esperança.
Todas as estórias buscam o arquétipo do final feliz. Não sei se estou a fim de ir para o céu, acho que meu lugar é no inferno com vários revoltados contra o sistema divisório ou com os anarquistas que se rebelaram contra essa ordem e hipocrisia.
O caminho até o inferno deve dar trabalho, pode ser uma passagem para algum lugar feliz.
Deve conter também alguma mensagem subliminar ou diálogos em grego, supra da cultura teatral em séculos áureos.

* * *




A minha rotina é a mesma, observe: todos os dias de manhã, acordo e tomo o café, não necessariamente nessa ordem e tampouco na ordem de ir ao trabalho para matar o tempo em oito horas diárias.
Jogado do trólebus, corto a calçada preta e branca de um panorama rasteiro. O rosto incrustado no cimento art decó vai revelando o tema daquele gigante no meio de um pátio que já foi igreja e agora é colégio.
Estreitas ruas tornam-se labirintos, o frescor da urina dos moradores de rua, ensacados e com fortalezas de talismãs que fecham seus corpos.
É sempre o mesmo caminho, o mesmo bar chinês com suas baratinhas mortas do lado de fora e as mesmas feições ébrias dos seres ensacados.
Um buraco. Um buraco muda muita coisa. Ele é a síntese da passagem desse lado de cá tão chato para o fantástico. Foi assim para Alice, será para mim neste dia.

* * *

As horas vagas parecem com o presságio da morte. Nos ponteiros desfilam a minha inquietude de curiosidade que da cartola não sairá qualquer feitiço que me torne realmente satisfeito.
Se em cada minuto os segundos roubam o tempo suficiente de minha vida, não há tempo para serem realizadas todas as coisas que nos flashes da memória acabam desaparecendo.
Era o desenho no muro daquela escolinha, era o menino que pulava a corda, os intervalos longos que escondia a drasticidade da loucura e a “irmã” que chamava a atenção para cantar o hino corretamente.
Muitas coisas foram bloqueadas instantaneamente. O serviço de resgate pode demorar ou mesmo nem vir.
Enquanto isso, podemos tomar um chá.



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